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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O último grito

Ele estava contente com os preparativos finais do casamento. Estava tudo pronto, a três meses Flávio e sua noiva Eveline planejavam o casamento perfeito, e nos últimos dias, tudo corria ao gosto deles e na mais incrível perfeição:
-É de se estranhar. -Pensou Eveline, a noiva. -Esta tudo indo tão bem! Como pode ser tudo mais perfeito que isto?
-Não pode. -Respondeu ele. -Simplesmente não pode, meu amor...
Eles se abraçaram e se beijaram. Ela lhe disse:
-Para sempre?
-Para sempre. -Respondeu ele sorrindo.
Dia seguinte ele acordou primeiro que ela. Foi até o jardim, colheu uma rosa e escreveu um bilhete:

"Terça-Feira. Dia de buscar o terno do casamento. Te pego as 11hs para o almoço na casa de sua mãe. Te amo para sempre... Beijos, Flávio."

Flávio entrou na loja, experimentou o terno pela ultima vez até o casamento e o levou.
Na rua movimentada do centro, viu uma velha cigana pedindo esmola. Enfiou a mão no bolso, e junto com as moedas e uma nota de dois, veio uma pedra. Era a pedra da sorte, que havia ganhado de Eveline. A cigana viu a pedra, e reparou nela mais que no dinheiro:
-Uma ametista, não?
-Sim, ganhei da minha noiva.
-Há quem diga que uma pedra dada com amor pode trazer sorte!
Flávio riu. Colocou as moedas e a nota na palma da mão da cigana junto com a pedra:
-Minha sorte é ela, minha noiva. Fique com a pedra pra senhora!
A velha cigana espantada perguntou:
-Esta abrindo mão da sua sorte, menino?
-Eu não acredito nisso... Não acredito na sorte. A sorte é só um ultimo recurso, a qual usamos quando não nos resta mais nada. Fica com Deus.
Ele deixou a cigana impressionada e atravessou a rua. Ela pressentiu algo e foi atrás gritando:
-Ei, menino! Espere!
Ele parou no meio da rua, quando a cigana estava na metade do caminho, um carro em alta velocidade veio em sua direção. Ela apertou a pedra e fechou os olhos, o carro desviou dela e bateu violentamente contra Flávio.

Eveline abriu os olhos assustada, como se pressentisse a tragedia. Olhou ao lado da cama e viu a rosa e o bilhete, o leu, mas não conseguia sorrir. O celular vibrou no criado mudo. Ela o atendeu, quando recebeu a noticia, em choque, o deixou cair.

A tarde, no funeral, Flávio estava vestindo o mesmo terno que foi buscar pela manhã. Eveline não se conformou. A velha cigana entrou em seus trapos, chamando atenção de todos que estavam no funeral. Se dirigiu a Eveline, lhe dizendo:
-Seu noivo era um menino bom.
Eveline nada respondeu.
A cigana pegou em sua mão e continuou a dizer:
-Sei que ele é bom por que se apiedou de mim, e me deu algumas moedas e dinheiro. Ele conversou comigo. Fui a ultima pessoa com quem ele falou, segundos antes a tragedia.
Eveline então se voltou a ela com atenção:
-O que quer de mim? Respeite a minha dor!
A cigana alisou seu rosto e respondeu:
-Eu não quero dinheiro não, dona... Seu noivo me deu um presente que a senhora lhe deu. Deve estar pensando por que um homem tão destinto como seu Flávio poderia dar atenção a uma velha cigana mendiga como eu. Eu lhe digo, dona. Ele me deu a sua sorte. A pedra que a senhora deu pra ele, ele a deu pra mim. Talvez pensasse que eu precisava de mais sorte que ele...
Eveline se voltou a velha cigana, essa lhe entregou a pedra:
   -Pois fique com ela, dona. Sei que a sorte o abandonou quando ela me deu. Eu já estou velha, tenho exata certeza que o destino do carro era eu, mas como eu estava com esta ametista, ele se desviou de mim...
A velha se virou e saiu. Eveline parou pensou, e com a pedra nas mãos foi atrás dela.
-Ei!
A velha cigana se virou e lhe disse:
-Traga-o de volta. De a pedra novamente a ele. Como da primeira vez, a sorte voltara, e ele poderá ser seu de novo...
Eveline pensou no que a velha disse, e durante todo o funeral, não teve coragem de colocar a pedra nas mãos do morto.

Depois do enterro Eveline não parou de pensar em
Flávio e na saudade que sentia. Segurou firmemente a pedra e se lembrou do que a cigana disse:
-Traga-o de volta. De a pedra novamente a ele.
Estava quase escurecendo e caia uma fina chuva quando Eveline pegou seu carro e foi até o cemitério. O estacionou e adentrou, indo até o tumulo recém fechado de Flávio. Eveline deixou a ametista sobre a terra e virou as costas.
De repente se deu conta: Não daria certo daquele jeito. Teria que fazer como da primeira vez, teria que dar nas mãos de Flávio. E enquanto a chuva fina engrossava e a noite começava a cair, ela se lembrou de quando deu a pedra a Flávio:

Era primavera do ano passado. Ela beijou sua boca e lhe deu a pedra:
-Pra que isso. Não tenho estilingue!
Eveline riu:
-É pra dar sorte, bobo!
Flávio também sorriu, dizendo:
-Eu já tenho sorte, pois tenho você... Não preciso de mais nada. Alem do mais a sorte é só...
-... Um ultimo recurso, a qual usamos quando não nos resta mais nada? -Continuou Eveline.
-Não, eu ia dizer que a sorte é só uma desculpa pra definir boa conhecidéncia. Mas eu gostei mais da sua definição. Vou usar ela de hoje em diante!
-E a pedra?
-Vou guardar. Pra sempre meu amor.

Agora Eveline estava desenterrando o corpo do noivo:
-Você prometeu que ia guarda-la! Prometeu que nunca ia me abandonar! E agora eu estou aqui pra fazer você cumprir suas promessas!
Já era noite quando Eveline o desenterrou. Ela beijou seus lábios frios, pôs a pedra em sua mão   e como da ultima vez, disse:
-É pra dar sorte, bobo.
Flávio não se mexeu. Eveline sorriu e disse:
-Que tolice a minha!
Eveline deixou o tumulo aberto e correu a procura do portão se protegendo da chuva. Depois de muito vagar pelo cemitério, o encontrou, trancado com uma grossa corrente. Deu dois paços para traz e lamentou. Ouviu um estranho barulho e se voltou aos túmulos. Então viu Flávio, com o terno de noivo todo cheio de lama. Ele se aproximou dela, segurou violentamente em seu pescoço e lhe disse:
-Não posso vir e ficar com você, mas você pode vir e ficar comigo.
Eveline se desesperou, estava sendo enforcada e já estava quase inconsciente tamanha a violência daquelas mãos frias. De subto, achou forças e o empurrou pra traz. Flávio caiu sentado e a olhou, dizendo:
-Me deu a pedra. Não tenho estilingue.
Eveline se apavorou, escalou o portão, Flávio segurou em seu pé e disse:
-Morrer não é tão ruim assim, meu amor.
Eveline chutou seu rosto e disse antes de continuar a subida:
-Então continue morto!
Eveline olhou para dentro do cemitério e não mais o viu. Poderia ter sido tudo coisa de sua cabeça, mas não era, seu pescoço ainda doía pela violência que Flávio a pegou. Ela entrou no carro, respirou fundo, enxugou as lagrimas e saiu dali a mil.

Enquanto isto em uma esquina estava a cigana, catando latinhas de refrigerante, quando no meio da rua viu Flávio. Ela se assustou e foi ao seu encontro:
-Menino... Você esta....
-Vivo? Não. Não estou.
E no carro Eveline olhou e viu a pedra que tinha deixado com Flávio, assustada a pegou na mão. Quando o carro passou sobre um buraco a pedra caiu de sua mão. Ela se abaixou rápido e a pegou, quando se voltou a estrada, viu o carro indo em direção a um homem no meio da rua, era Flávio. Instantaneamente ela desviou o carro, batendo violentamente contra a cigana, e em seguida, indo em direção a um muro.
Flávio sorriu, se aproximou do cadáver da velha cigana e depois caminhou até o carro de Eveline.   O veiculo estava completamente destruído, lá dentro estava Eveline, com a cabeça sangrando respirando fundo, mostrando medo e desespero.
Ela então, levantou a cabeça ensangüentada e tentou sair, não conseguiu, as pernas estavam moídas entre as ferragens. Flávio arrancou a porta e lhe estendeu a mão sorrindo. Para ela, inconformada, não restou nada mais alem de soltar seu ultimo grito.


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